Uma medida provisória (MP) publicada pelo governo federal em 11 de junho trouxe mudanças significativas na maneira como a renda dos investidores será tributada, especialmente em relação aos juros sobre o patrimônio líquido (JCP). Embora atinja várias áreas da economia, o setor financeiro foi rapidamente identificado pelos analistas como os mais afetados pelas mudanças.
O motivo é simples: os bancos são os principais usuários desse mecanismo, o que permite reduzir a base tributável de lucro. Com o aumento do imposto de renda (IR) nos valores pagos via JCP, de 15% para 20%, a lucratividade dos acionistas tende a diminuir, o que pode afetar diretamente o valor das ações e a atratividade das instituições financeiras no mercado.
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O que é o JCP e por que os bancos o usam tanto?

Mecanismo de economia tributária
O JCP é uma forma de distribuição de lucro adotada por empresas brasileiras que permite deduzir o valor pago aos acionistas do lucro tributável. Isso resulta em economia de impostos para a empresa, diferentemente dos dividendos tradicionais, que não oferecem essa vantagem.
No caso dos bancos, que operam com margens financeiras mais altas e lucros consideráveis, o JCP Representa uma alternativa fiscalmente eficiente. Segundo Tales Barros, líder de renda variável de capital W1, mais de 70% da compensação dos acionistas de grandes instituições financeiras ocorre via JCP.
Este modelo permite que o banco distribua lucros ao pagar menos impostos. No entanto, a elevação do imposto de RI no JCP altera esse saldo, tornando a estratégia menos vantajosa do ponto de vista fiscal.
Impactos diretos nos dividendos
Redução em troca do investidor
A principal consequência do MP, ainda pendente de aprovação do Congresso Nacional, é a redução do retorno líquido que os investidores recebem dos bancos. Como Barros explica, se não houver ajuste na forma de distribuição de ganhos, o rendimento de dividendos – ou seja, o retorno proporcional que o investidor recebe – pode cair dos 7,5% atuais para algo entre 6,9% e 7,1%.
Essa diminuição está diretamente relacionada ao aumento da carga tributária apoiada pelas instituições. Como os dividendos não são dedutíveis do lucro para fins de RI, um possível aumento de sua proporção em relação ao JCP implica menos lucros líquidos disponíveis para distribuir aos acionistas.
Mudança na composição dos ganhos
Para manter a atratividade dos papéis no mercado, muitos bancos devem alterar a composição dos ganhos pagos. Em vez de manter a predominância do JCP, a tendência, segundo analistas, é de uma maior migração para o modelo tradicional de dividendos. Isso ocorre porque, mesmo sem dedutibilidade, os dividendos se tornam relativamente mais vantajosos com a nova taxa de 20% no JCP.
“Essa migração é uma maneira de manter o interesse dos investidores e tentar preservar a lucratividade das ações”, diz Marcos Camilo, CEO da Pulse Capital. No entanto, ele ressalta que ainda há um benefício no uso do JCP, mesmo com a nova tributação, embora menor do que anteriormente.
O que muda para os investidores
Avaliação de ativos e expectativas de retorno
Para o investidor individual, a mudança requer uma aparência mais precisa além da forma de pagamento dos ganhos. Ricardo Schweitzer, sócio da Garoa Wealth Management, ressalta que o foco deve ser a geração de dinheiro das empresas. “O investidor que se concentra na renda deve observar a qualidade do ativo, não apenas a forma de pagamento”, diz ele.
Na prática, os investidores precisarão reavaliar o retorno líquido de ações que pagam a JCP e consideram o novo cenário tributário ao tomar decisões de investimento. Em teoria, as empresas que pagam muitos ganhos via JCP se tornam menos atraentes se não compensarem a nova carga com o aumento de dividendos ou outro incentivo.
Avaliação e estabilidade
Além disso, o impacto da medida também pode refletir sobre a avaliação das empresas do setor financeiro. “Se o mercado ainda não tiver um preço totalmente, o valor das ações poderá ser corrigido”, diz Barros. Isso ocorre porque o valor de uma ação está diretamente relacionado à sua capacidade de gerar retorno futuro, e o aumento da RI reduz esse potencial.
O setor financeiro ainda é o Porto Seguro?

Apesar da mudança no tratamento tributário do JCP, os especialistas concordam que o setor financeiro continuará sendo uma das opções mais sólidas para o investidor brasileiro. “Mesmo com a nova tributação, o setor permanece altamente lucrativo e resiliente”, diz Barros.
Marcos Praça, analista independente, reforça essa visão: “No final, tudo gira em torno dos bancos. Eles são os principais intermediários do crédito e têm uma sólida renda recorrente, que mantém sua atratividade a longo prazo”.
Segundo ele, a medida traz um desafio, mas não altera os fundamentos estruturais das instituições financeiras. Crescimento do crédito, digitalização de serviços e aumento da base de clientes seguem importantes vetores de crescimento para o setor.
O Congresso ainda pode mudar os termos do MP
Processamento legislativo em andamento
O MP precisa ser aprovado pelo Congresso Nacional em 120 dias, para que não perca a validade. Durante esse período, os parlamentares podem apresentar emendas que mudam de trechos do texto original, incluindo o novo imposto de RI no JCP.
As entidades do setor financeiro e os representantes do mercado de capitais já estão se mobilizando para discutir ajustes na proposta, argumentando que o aumento pode desencorajar o investimento e comprometer a competitividade do sistema bancário nacional.
Até que o texto seja votado, a recomendação do especialista é para os investidores seguirem de perto os desenvolvimentos e revisar seus portfólios com base em análises atualizadas.
Imagem: Freepik e Canva